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Responsabilidade civil médica

O tema responsabilidade civil, em especial nos últimos anos, vem sendo objeto de diversas alterações. E essa mutação decorre de diversos fatores, os quais não serão minunciosamente abordados aqui, a fim de não perder a finalidade deste artigo.

Contudo, há uma informação que o médico precisa estar ciente: o número de demandas tendo como pedido a condenação de médicos à reparação de danos, propostas por pacientes, pelos mais diversos motivos, cresceu de maneira vertiginosa1.

E a prova incontestável desse fato é vivenciada por esses profissionais e sentida no bolso, uma vez que tem crescido a contratação de seguros de RCP (Responsabilidade Civil Profissional), objetivando o pagamento de valores no caso de serem condenados em juízo pela ocorrência do denominado \”erro médico\” 2.

Diante desse quadro, esse artigo se propõe a expor, de maneira sucinta, o cenário da responsabilidade civil nas mais variadas áreas da medicina, bem como apresentar as medidas preventivas a serem adotadas pelos médicos, a fim de reduzir o risco de sofrer uma demanda dessa natureza.

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NA LEGISLAÇÃO ATUAL

Antes de adentrar nos casos mais específicos, é preciso dar uma visão panorâmica da responsabilidade civil do médico na legislação atual.

Então, para entender a responsabilidade civil do médico, primeiro é preciso firmar algumas premissas básicas (são conceitos eminentemente jurídicos, mas essenciais para a compreensão do tema) inerentes à relação jurídica entre médico e paciente:

a) A relação jurídica entre médico e paciente é, em regra, uma relação de natureza contratual – é regida por um contrato, que confere a cada uma das partes direitos e deveres;

b) A violação desses deveres contratuais pode gerar danos de 3 (três) naturezas:

b.1) Danos materiais;

b.2) Danos morais;

b.3) Danos estéticos.

c) A obrigação do profissional de saúde, como regra, é de meio e não de fim 3;

d) Regra geral, a responsabilidade civil do médico é de natureza subjetiva, fazendo com que a culpa desse profissional precise ser provada por aquele que alega ter sofrido o dano.

A responsabilidade civil, em regra, é regida por dois sistemas distintos, mas que dialogam constantemente, quais sejam: a) o sistema do Código de Defesa do Consumidor – lei 8.078/90 –; b) o sistema do Código Civil – lei 10.406/02. Esse é o quadro geral, que tem fundamento na legislação em vigor. Nesse sentido, o Código Civil, no art. 951, e o Código de Defesa do Consumidor, no art. 14, § 4º, dispõem que a responsabilidade civil do profissional liberal é de natureza subjetiva, já que exige a prova do elemento subjetivo \”culpa\”.

Essas são as balizas mestras da responsabilidade civil no tocante à atividade médica. Mas, para compreender as novas tendências, é preciso um aprofundamento ainda maior acerca do tema.

Note que as duas leis (Código Civil e Código de Defesa do Consumidor) já estão em vigor há bastante tempo e, ainda assim, essa matéria continua sofrendo constantes modificações. Uma das razões dessa mutação decorre da interpretação feita pelo Poder Judiciário da norma positivada. Isso porque, para se aplicar uma norma jurídica em um caso concreto, o aplicador do direito deve interpretá-la, a fim de buscar o seu sentido e alcance.

Essa mutação acerca do tema tem uma causa determinante, que é o fato da relação jurídica entre médico e paciente ser regida, eminentemente, pelo sistema do consumidor, isto é, pela lei 8.078/90.

Por seu turno, a doutrina e a jurisprudência pacificaram o entendimento no sentido de que essa relação jurídica possui, em regra, natureza consumerista. A razão de ser desse posicionamento está no objeto dessa relação jurídica, que vem a ser uma prestação de um serviço especializado por um profissional liberal (médico) ao tomador do serviço (paciente). Esses elementos amoldam-se aos conceitos legais de consumidor e fornecedor expressos nos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Logo, fica claro que o médico, ao prestar o serviço aos pacientes, o faz na figura de fornecedor de serviços. Essa mudança relativa ao sistema normativo regente da matéria, em razão da migração da sua disciplina do Código Civil para o Código de Defesa do Consumidor, originou diversas transformações 4. Mas, a mais relevante deu-se no campo hermenêutico (interpretativo).

Isso decorre do fato de que o Código de Defesa do Consumidor parte de uma premissa básica, no sentido de que o consumidor é a parte vulnerável no mercado de consumo. Isto encontra-se expresso no art. 4º, I, da lei 8.078/90 5.

Com efeito, ante essa vulnerabilidade, a legislação apresenta normas de cunho protetivo ao consumidor, tendo como base axiológica a cláusula geral da boa-fé objetiva, que cria para o fornecedor do serviço, ao lado da obrigação de adimplir com a prestação do serviço contratado, uma série de deveres jurídicos anexos ou laterais.

De acordo com a literatura jurídica, o princípio da boa-fé objetiva, no caso de responsabilidade civil médica, é particularizado como um \”dever de tutela do melhor interesse do paciente”. Esse dever significa, em última análise, a interpretação da relação jurídica médico-paciente visando a proteção da parte vulnerável, que é o paciente.

Como consequência dessa premissa interpretativa, a lei impõe aos médicos um dever de conduta.

É com base nesse valor que a doutrina e a jurisprudência vêm ressaltando que um dos principais deveres do médico é o dever de transmitir a informação de forma precisa e clara ao paciente acerca da patologia, caso existente, bem como dos tratamentos existentes, de qual tratamento o especialista acredita ser o mais recomendado para aquele caso, além de quais riscos isso acarretará (dever de informação).

A partir dessa informação, caberá ao paciente a escolha pelo tratamento, dando o seu consentimento para qualquer intervenção, porventura, necessária. Essa é a regra geral, pois é certo que em situações de urgência, quando há risco de morte, o profissional de saúde não pode aguardar o consentimento por parte do paciente, tendo o dever profissional de atuar.

A prova de que todas as informações foram devidamente prestadas ao paciente e que este consentiu com o tratamento proposto recai sobre o médico. Por isso, muitos médicos têm optado, ou ao menos deveriam fazê-lo, em entregar aos seus pacientes um documento escrito contendo essas informações, bem como formalizar seu consentimento para os procedimentos a serem adotados.

A isso se dá o nome de \”termo de consentimento informado\”. A maioria já deve ter conhecimento desses termos. Mas o mais impressionante é a resistência do médico em utilizá-lo no dia a dia do consultório.

O médico tem que ter em mente que essa é uma medida preventiva extremamente importante, que pode, em muitos casos, afastar o dever de reparar um dano. Basta pensar no paciente que ajuíza uma ação reparatória, sob o fundamento de que, em decorrência do procedimento cirúrgico realizado pelo médico, surgiu determinada sequela. No entanto, ao ser citado no processo, o médico apresenta defesa, trazendo aos autos o termo de consentimento informado, contendo em uma de suas cláusulas a possibilidade da ocorrência daquela implicação a sua saúde, ou seja, fica comprovado que o paciente tinha total conhecimento da probabilidade daquele evento secundário vir a ocorrer e, ainda assim, fazendo uma ponderação, entendeu pela realização do procedimento.

Neste exemplo, se o médico observou o dever de informação, bem como atuou em conformidade com os protocolos e melhor técnica, não há razão para se falar em dever de indenizar o paciente.

Mas, é perceptível que aquelas balizas acima dispostas vêm sendo, aos poucos, desfiguradas, com o claro objetivo de colocar o paciente como parte vulnerável da relação jurídica, criando uma série de presunções não prescritas na legislação.

Por conseguinte, o que transparece é a tendência, ao menos da jurisprudência, em mitigar certas formalidades exigidas pela lei, tal como a necessidade de prova da culpa pelo paciente, a fim da responsabilização civil do médico, sob o fundamento de proteção da parte mais fraca da relação.

Isso fica bastante evidente nos julgados pesquisados acerca da matéria, nos mais diversos Tribunais do Brasil, para a elaboração deste trabalho. Há um movimento que aspira tornar a inversão do ônus da prova como uma regra nas demandas que tem por objeto danos decorrentes da prestação de serviços médicos 6.

CONCLUSÃO

Por isso, cada vez mais, o médico, no exercício do ato médico, deve adotar medidas de natureza preventivas, como verdadeiros fatores de mitigação ao risco de futuras ações judiciais por \”erro médico\”, tendo como principal ferramenta o termo de consentimento informado, que deve ser elaborado por um advogado.

O médico deve entender que é mais vantajoso contratar um advogado para traçar planejamentos estratégicos de natureza preventiva, do que, ao ser acionado, pagar honorários advocatícios para a realização da sua defesa técnica naquele processo.

Isso porque, o fator de risco continuará a existir, quando poderia ser consideravelmente mitigado. Pensem nisso!